Teatro Musical

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Produção: Criaturas Alaranjadas e Signorini Produções

quarta-feira, 2 de julho de 2014

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Vozes da cidade

Uma temporada com dez espetáculos brasilienses marca o ano mais fértil da longa história de musicais na capital

O elenco de Eu Vou Tirar Você Deste Lugar — As Canções de Odair José: rotina diária de ensaios (Foto: Roberto Castro)
O elenco de Eu Vou Tirar Você Deste Lugar — As Canções de Odair José: rotina diária de ensaios (Foto: Roberto Castro)
01.mai.2014 11:25:44 | por Mariana Moreira
Sob o holofote azul que ilumina o palco do Teatro Sesc Garagem, na 913 Sul, um grupo de jovens atores circulava de um lado para o outro. Ansiosos, eles estalavam os dedos, alongavam os braços, aqueciam a voz e preparavam o corpo para entrar em cena. Com as falas na ponta da língua, a maioria do elenco do musical De Carne, Osso e Concreto, dirigido por Adriana Lodi, estava prestes a viver uma experiência inédita: cantar e dançar enquanto interpreta. Ao pisarem no palco, no último dia 24, eles deram início a uma maratona histórica. Até o fim do ano, dez musicais produzidos na cidade entram em cartaz, o que configura a mais fértil temporada para o gênero já vista por aqui.

A montagem de Adriana tem a cara da cidade em vários sentidos. Com orçamento enxuto (módicos 160 000 reais), foi realizada de forma coletiva por ex-alunos de uma oficina que se profissionalizaram. Essa viagem arquetípica e afetiva por Brasília exigiu dedicação incomum e rendeu aprendizado à diretora, estreante nessa seara. “Uma das dúvidas era pôr microfone ou não no elenco. Optamos por algo simples, sem tecnologia”, explica. Outro iniciante nas múltiplas exigências de um musical é Sérgio Maggio. Jornalista e dramaturgo, ele assumiu os papéis de autor e diretor emEu Vou Tirar Você Deste Lugar — As Canções de Odair José, uma teatralização de hits do compositor goiano, com estreia marcada para quinta (8). “A música tem de ter narrativa, contar a história de forma orgânica”, destaca. Comparada à safra brasiliense, a montagem, que escalou a diva Maria Alcina, tem ares de superprodução. Além de doze atores, que cumprem uma intrincada e extenuante agenda de ensaios, conta com cinquenta nomes na ficha técnica e orçamento de 300 000 reais, graças ao patrocínio do Centro Cultural Banco do Brasil. “É a primeira vez que investimos financeiramente em um musical da cidade, com forte caráter de fomento e intercâmbio de artistas”, destaca Paula Sayão, gerente-geral do CCBB Brasília. Incansável, Maggio já se dedica a escrever outra produção do gênero, com estreia prevista para o segundo semestre. Desbunde, que será dirigida por Juliana Drummond, vai retratar uma trupe gay em plena ditadura militar, embalada por músicas dos grupos Dzi Croquettes, As Frenéticas, Secos & Molhados e afins.


Ensaio de uma turma da Escola de Teatro Musical de Brasília: superproduções e ex-alunos no eixo Rio-São Paulo (Foto: Roberto Castro)


Falta de intimidade com o assunto não é problema no caso de Luciana Martuchelli, que já contabiliza longo tempo de vivência no segmento de musicais. Para celebrar os vinte anos da sua Tao Filmes, misto de escola de canto e dança e produtora de filmes e peças, a artista acaba de encerrar as audições para Big Heart. O trabalho será encenado em julho no Teatro Goldoni. Em parceria com os 25 atores selecionados, e mais cinco músicos, Luciana desenvolverá uma obra sobre como o amor e a perda dele afetam a vida das pessoas. “O mundo de musicais te coloca em um lugar de afinco, competição e urgência. Nem todos aguentam essa pressão”, destaca a atriz, defensora de um toque mais brasileiro e menos industrial nesse tipo de produção. Tal angústia deverá ser enfrentada pela cantora e percussionista Nãnan Matos em seu projeto de contribuir com esse efervescente mercado. Entre outubro e novembro, ela levará ao Teatro Sesc Newton Rossi, em Ceilândia,Tradição Viva, uma mescla de música típica africana, teatro de bonecos e danças de rua, como break e street dance, a ser dirigida por Abaetê Queiroz. Por fim, o ator e diretor carioca Bruce Gomlevsky, que mantém um intercâmbio com a capital federal desde que fez sucesso por aqui com Renato Russo (2006), voltará para dirigir Uma Canção para Janis, tributo à cantora Janis Joplin que deve estrear em outubro, com Carol Fazu no papel principal e texto do cineasta José Eduardo Belmonte.

Na onda de formar talentos, algo que já se tornou uma característica forte da cidade, escolas planejam levar seus alunos da sala de aula direto para montagens de grande porte. Em três desses locais estão nascendo os títulos que completam a lista de musicais da temporada. Na Espaço Arte, a turma infantil montará Lorax — O Musical, baseado na animação O Lorax — Em Busca da Trúfula Perdida, com direito a efeitos especiais e telão de LED no cenário. Os adultos ensaiam Burlesque,releitura do filme estrelado por Christina Aguilera e Cher. “Nosso espaço trabalha com crianças a partir de 4 anos. Espero plantar uma sementinha”, diz Chris Dantas, proprietária da escola. Élia Cavalcante, da Actus Produções, outro centro de ensino, também aposta numa adaptação: está produzindo a versão de Rent. Enquanto isso, a Escola de Teatro Musical de Brasília prepara uma dramaturgia própria para encenar em agosto. Entre Sonhos e Sonhos tem direção-geral de Michelle Fiúza, diretora da escola, e aborda as perspectivas juvenis.


De Carne, Osso e Concreto: inspiração local e soluções simples (Foto: Roberto Castro)


Hoje famosa pela ininterrupta sequência de comédias, Brasília parece resgatar um gênero que já se fez presente por aqui. Ainda que com orçamento curto e necessidade de soluções criativas, os musicais figuram na história da cidade desde os primórdios. Em 1970, Sylvia Orthof causou furor com sua adaptação de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Na mesma época, em plenos anos 70, Oswaldo Montenegro e Hugo Rodas estavam em constante atividade nesse universo. O último criou, em 1977, uma versão enxuta e mais política de Os Saltimbancos, de Sergio Bardotti e Chico Buarque, com seu revolucionário Grupo Pitú. “Uma vez, nós nos apresentamos para 20 000 pessoas em um ginásio de esportes”, lembra Rodas. Cada um a seu modo, Vladimir Fiúza, Murilo Eckhardt, Arthur Meskell, Alexandre Ribondi e Marcelo Saback foram alguns dos realizadores que agitaram a cena local.

Inspiração e garra eram e continuam sendo ingredientes essenciais para produzir numa cidade que, apesar da multiplicação de talentos, não investe no teatro musical. Sem atraírem patrocínio privado ou apoio relevante do governo, os produtores precisam cobrir gastos e pagar cachês com o dinheiro da bilheteria. Os custos de aluguel em salas de espetáculos são elevados, e a estrutura desses espaços não comporta o tamanho das produções. Embora sonhem alto, os artistas locais esbarram até na ausência de pessoal e de equipamentos adequados para tocar os projetos. “Não temos designer de som no teatro brasiliense”, afirma Sérgio Maggio. Chris Dantas faz coro na questão: “Usamos microfones de cabeça e precisamos trazê-los de fora. Aqui não há quantidade suficiente”.




Diante da falta de condições ideais, são muitos os entusiastas do gênero que buscam espaço fora do DF. A primeira “corrente migratória” ocorreu em 2001, na estreia da montagem de Os Miseráveis, em São Paulo. Dos dez protagonistas, sete eram brasilienses. Eles se saíram bem nas audições e tinham um nome em comum no currículo: Marconi Araújo, convidado para assumir a preparação vocal e, posteriormente, a batuta da produção. Hoje, o maestro tem agenda intensa no mercado brasileiro. Nesse fluxo de partida de talentos, Alírio Netto conquistou um papel em Jesus Cristo Superstar. Dan Cabral integrou o time de Zorro, Cabaret, Alô, Dolly! e A Gaiola das Loucas. Mateus Ribeiro é o novo queridinho de Cláudia Raia. Carolina Rocha foi escalada para Nas Alturas. E, ultrapassando as fronteiras nacionais, Victor Hugo Barreto encena seu quinto musical na Alemanha. Depois da temporada em O Rei Leão, ele estará na versão germânica de West Side Story (veja mais no quadro abaixo).




Com o mercado receptivo, espaços formadores de mão de obra proliferam pela cidade. O mais destacado é a Escola de Teatro Musical de Brasília, fundada por Michelle Fiúza há sete anos. Depois da abertura, os dezoito clientes iniciais viraram 100. Quem frequenta o nível avançado chega a dedicar sete horas semanais às lições. “Nosso objetivo é que eles tenham bagagem para entrar no eixo Rio-São Paulo”, afirma Michelle, que já emplacou diversos alunos em grandes produções. Motivos de ânimo para eles não faltam. Como se não bastasse a ebulição da oferta de projetos locais, recebemos boas referências externas neste ano. Além deGonzagão — A Lenda e Shrek — O Musical, que passaram recentemente por aqui,Cazuza, pro Dia Nascer Feliz — O Musical Jim visitam a cidade neste mês com ingressos esgotados. São mais incentivos para Brasília fincar raízes no teatro musical. “Temos muita gente capacitada que não pretende deixar a cidade”, avalia o ator Danilo Timm. Se isso acontecer, produtores, artistas e público certamente aplaudirão juntos. 

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